domingo, 11 de outubro de 2009

Paralisia Cerebral, Limitação? Leia e Reflita.

Perfeição: um conceito grego dos mais cruéis, gerador deste mundo ocidental, onde todos buscamos ser titãs. Com todo o respeito que tenho à filosofia e estética grega, preciso dizer que perfeição é uma fantasia neurótica. Ansiamos por um mundo perfeito e deixamos de celebrar a imperfeição – única tábua de salvação capaz de levar à completude. Eis o paradoxo. A imperfeição nos torna completos, adrenalizados e desafiados pelo diferente, pelo desalinho, pela desorganização e pelo improviso. Os “gregamente” perfeitos, coitados! São condenados à solidão, porque pretendem de nada ou de ninguém necessitar.
Há rara beleza na imperfeição.
Vinha eu na calçada. Um rapaz de andar trôpego olhou para mim e acertou seu passo em minha direção. Como qualquer habitante das cidades brasileiras, acostumados ao assédio de pedintes e, muito frequentemente, de golpistas, preparei-me emocionalmente para o encontro. Ele, educadamente, cumprimentou-me e disse com muita dificuldade:
- Não vou lhe pedir nada. Eu trabalho! Fabrico estas camisas. Por favor, dê uma olhada. Se gostar de alguma, custa…
Em uma fração de segundos, aquilo que era desconfiança converteu-se em profunda admiração, numa dessas viradas que somente a imperfeição da vida pode nos dar.
Fascinou-me a ideia de um rapazinho, com as limitações da paralisia cerebral, não se esconder em seus problemas; antes, enfrentar a vida de peito aberto.
Senti-me humilhado; constrangido por ser eu mesmo. Mas com muito prazer comprei a tal camiseta.
Algum tempo depois, conheci outro paralisado cerebral e fiquei mais uma vez surpreso. Pela primeira vez, tive a oportunidade não apenas de conhecer a atitude, mas a alma de uma pessoa com paralisia cerebral. Kylber Alves é uma pessoa encantadora que testemunhou o que significa viver com a paralisia cerebral, com o olhar de quem tem experiência no mundo dos “perfeitos”. É um texto rico, que transcrevo abaixo:
“A diferença dentro da diferença
Assim é como defino a paralisia cerebral, pela qual fui afetado no parto por falta de médicos. A realidade é que este fato tem me obrigado a viver fora de uma normatização da sociedade, ou pelo menos a me adaptar para melhor buscar meus objetivos, mais precisamente a minha felicidade. Na sociedade em que vivemos o que vale é a perfeição. Incorporamos a cultura do belo, fruto de uma herança que acompanha a própria evolução da humanidade. Posso citar o grande filósofo Platão, para o qual as pessoas portadoras de deficiência, as PPDs não possuíam alma. O PC (PARALISADO CEREBRAL) é um caso interessante e instigante, pois consegue ver o mundo como ele é, mas o mundo não consegue vê-lo em sua essência; o PC é como um caso de diferença dentro da diferença, talvez o mais estigmatizado entre os PPDs. Muitas vezes somos confundidos, pela dificuldade motora e problema de dicção, com um deficiente mental ou um bêbado. Isso acarreta inúmeras consequências para a vida pessoal de um PC; a sexualidade e a afetividade ficam comprometidas não por falta de capacidade, mas por falta de sensibilidade e compreensão do companheiro ou companheira. As dificuldades são ainda maiores quando se trata do campo profissional, pois o PC se tornou quase não empregável, salvo raras e louváveis exceções.
Mudar uma mentalidade de séculos é, na verdade, uma tarefa bastante difícil e complexa, mas não esqueçamos que grandes saltos da humanidade partiram das situações de diferenças e da busca de suas superações, hoje, nosso grande desafio.”
Com todas as suas limitações físicas e, contra todas as limitações impostas pela arquitetura, pelos meios de transporte, imposições sociais do mundo dos perfeitos, ele graduou-se em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará. Gente assim é uma denúncia viva e lúcida no mundo dos “perfeitos”, a dizer que imperfeitos somos nós, os que temos paralisia de alma.
Domingos Alves

3 comentários:

  1. Texto sensacional! Parabéns por postá-lo, meu amigo Rev. Carlos Eduardo.

    ResponderExcluir
  2. Como você sabe, tenho uma filha especial. A cada dia somos surpreendidos ao vê-la superar alguma de suas limitações. Cada novo fonema proferido é uma festa. A vida dos chamados excepcionais é um presente de Deus à humanidade, que visa ensinar-nos o poder latente em nossa alma, capaz de transpor qualquer fronteira. Este poder não é outra coisa senão a graça de Deus operante em nós.

    ResponderExcluir
  3. Parabéns pelo texto, Pastor.

    Sensível, edificante, inteligente.

    Não conhecia o seu blog.

    Gostei muito e estarei sempre visitando.

    alexmaltta.blogspot.com
    Evangelho da Graça

    ResponderExcluir